Adolescência (Netflix): quando a leitura digital se transforma em armadilha
- Sérgio Merli
- 6 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.
Série impactante serve de alerta para pais e educadores sobre o excesso de exposição às telas e à leitura digital sem acompanhamento

Recentemente, assisti à série Adolescência, da Netflix, e confesso que fui profundamente impactado. Como pai, educador e alguém que trabalha com narrativas voltadas ao público infantojuvenil, essa obra me fez refletir — e muito. A trama, que gira em torno de Jamie, um garoto de 13 anos acusado de matar uma colega de escola, é um retrato poderoso e perturbador da influência que os conteúdos online podem exercer sobre jovens em formação.
Mais do que um thriller investigativo, a série expõe com precisão o ambiente digital que muitos adolescentes habitam diariamente. Um universo onde a busca por pertencimento pode abrir espaço para ideologias misóginas, radicais e extremamente nocivas. Jamie é apresentado como um menino solitário, que encontra em grupos online a validação e a “compreensão” que ele não parece receber do mundo real. A consequência disso é trágica — e, infelizmente, plausível.
Essa história me fez pensar em quantos jovens hoje estão mergulhados em uma leitura digital constante — não de livros, mas de posts, comentários, mensagens instantâneas, vídeos curtos, teorias da conspiração e fóruns de comportamento duvidoso. Estamos falando de uma leitura intensa, mas fragmentada, que forma uma avalanche de informações desconectadas, muitas vezes violentas e manipuladoras.
Muitos pais acreditam que seus filhos estão seguros dentro de seus quartos. Afinal, não estão na rua, não estão “com más companhias”. Mas a realidade é que más companhias também vivem online — muitas vezes com avatares simpáticos, discursos sedutores e canais no YouTube com milhões de visualizações.
Essa preocupação é amplamente abordada por Jonathan Haidt em seu livro A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. O autor reúne pesquisas e dados contundentes que mostram como o uso excessivo de telas e redes sociais está diretamente ligado ao crescimento de quadros de ansiedade, depressão e dificuldades emocionais em crianças e adolescentes. Ele defende que o desenvolvimento saudável nessa fase da vida exige menos tempo online e mais tempo com experiências reais, olho no olho, brincadeiras ao ar livre e, sobretudo, limites bem estabelecidos.
Como pais e educadores, temos o dever de refletir sobre o que nossos jovens estão consumindo — e como estão consumindo. Não basta entregar um celular ou tablet e esperar que saibam fazer bom uso. É preciso orientar, dialogar, participar e, sobretudo, dar o exemplo em evitar o uso excessivo de dispositivos digitais como smartphones, notebooks e videogames. As crianças e adolescentes aprendem muito mais com o que observam do que com o que lhes dizemos. Se queremos que leiam mais livros, precisamos ser leitores. Se queremos que tenham um uso equilibrado da tecnologia, precisamos demonstrar esse equilíbrio.
A leitura digital pode — e deve — ter seu espaço, mas não pode ser a única forma de contato com o mundo e com a informação. Precisamos cultivar outras formas de leitura: o livro físico, a observação do mundo real, a escuta ativa.
A série Adolescência nos convida a olhar com mais atenção para o universo digital que cerca nossos jovens. Que saibamos usar esse alerta como ponto de partida para mudanças reais — e, quem sabe, para uma infância e adolescência mais saudáveis, seguras e humanas.

Sergio Merli é escritor, ilustrador e designer gráfico. É autor de livros infantis e realiza palestras sobre literatura, arte e meio ambiente em escolas e eventos culturais por todo o Brasil.
Conheça mais sobre o trabalho do autor em: www.sergiomerli.com.br
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